Arquivo da categoria: Daily Planet

Os movimentos são sexys?

Quisera eu ter a fé de quem participa de um movimento para qualquer coisa. Movimento para mudar o preço da passagem de ônibus. Para acabar com a Copa. Para trazer de volta o feudalismo (sem illuminatis, por favor). Movimento pela coxinha com legumes. Hoje em dia é tudo movimento, parece até a infinita highway.

Mas as pessoas estão realmente andando? Não no sentido literal da coisa, porque sim, continuamos andando para ir para o trabalho, para casa ou nessas marchas com ou sem família. Exceto pelo Stephen Hawking e alguns outros, o mundo continua caminhando A pergunta é: as pessoas estão indo para algum lugar?

Vivemos a Era das discussões, diria o Hobsbawn. Hoje em dia tudo é discutido, tudo é falado, os movimentos nascem, crescem e aderem ao mundo social e político, filosófico e artístico, ficando danados, letrados, inteligentes e sabidos em questão de segundos. Mas fica sempre aquela sensação de que não temos a menor ideia do que estamos falando. De que entramos em uns sites meio idiotas e de lá tiramos conclusões mais imbecis ainda, escrita por gente que as vezes caminha do lado certo, outras vezes do lado errado. E tem gente que até não caminha, se você for discutir física e usar alguma coisa do Hawking, por exemplo. Os futuristas ficam nessa de que a informação está cada vez mais na palma da mão e que em poucos anos seremos capazes de imprimir argumentos em impressoras 3D e quiçá atirá-los na cara dos “inimigos” (aos quais às vezes desejamos vida longa, em outras os odiamos por gostarem de funk). E se nós calmássemos de fuck down como dizem os gringos e por alguns instantes olhássemos e pensássemos EITA CARALHO QUE TAL EU FICAR QUIETO?

O assunto merece discussão. Quem sabe até um movimento sobre. No qual as pessoas caminhariam. Menos eu, que virei o louco da magrela.

Precisamos falar sobre Obama

– Pô, quem vai falar com o cara?
– Como assim?
– Sério, alguém precisa dar um toque que é maior cagada.
– O Bob poderia fazer isso…
– Teu cu que eu poderia fazer isso.
– Qual é Bob, você até passeia com o cachorro do cara.
– É, mas o cara é presidente dos EUA. PRESIDENTE. DOS. EUA.
– Grandes merda.
– Então fala você.
– Eu não, cara. Eu sou do birô, eu nem tenho acesso ao cara.
– Birô Birô, grande jogador…
– Hahahahahahahahaha, cala a boca. Mas sério, alguém precisa falar com o cara…
– Mas como? É só chegar e falar Ô NEGÃO, SÉRIO, VAMOS BATER UM LERO, ESSE TROÇO NÃO TÁ CERTO.
– Tá rimando, né racista.
– Não é racismo, é o approach. Mas também, que puta falta do que fazer né? Que que tem na caralha da Síria de bom?
– O Pelé deve saber.
– Sério, só piadas com futebol?
– Fazer o que, eu curto.
– Jogo que não tem vencedor. O Ato Patriota deveria comer seu cu com cerol.
– E a Michelle?
– Que que tem?
– Ela tem influencia…
– Sim, e a mão do tamanho de uma raquete de tênis.
– Quer saber, foda-se essa merda. Deixa o cara invadir, fazer cagada, a merda toda que eles fazem.
– Mas e depois?
– Depois entra outro trouxa, arruma essa merda e caga tudo de novo. Deve ter algo naquela cadeira.
– Tem sim.
– O quê?
– Estofado, hahahahahahahhahaha.
– Nossa, toma cuidado que tão abrindo vaga no Zorra total.
– Que porra é Zorra total?

O hino nacional dissecado

Poucas músicas retratam a emoção das pessoas quanto um hino. É aquela hora que você levanta, põe a mão no peito e entoa o canto nacional o mais alto que pode, errando um pouco a letra de vez em quando. O fato é que, em tempos de protestos país afora, é importante que entendamos bem o que o Hino Nacional Brasileiro quis dizer em seus versos, estrofes, redondilhas e demais frescuraiadas poéticas. A verdade é que Joaquim Osório Duque Estrada e Francisco Manuel da Silva, os compositores que antes da fama formavam uma dupla de fado sertanejo conhecida como Joaquim e Manuel, tinham muito a dizer nas rimas do hino nacional.

Num esforço de reportagem sem tamanho (www.google.com.br), consegui decifrar o enigma do hino que, há anos, diz muito sobre o Brasil e sobre nós brasileiros. Som na caixa, Dan Bown!

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas,
Claro e evidente que Joaquim e Manuel nunca pisaram no Ipiranga. Ou chegaram por outro caminho que não a Avenida do Estado.

De um povo heroico o brado retumbante,
Já começou com gritaria, no mínimo algum morador deve ter reclamado e chamado a polícia para resolver a desinteligência.

E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,
Amigão, me conta como é que o sol da Liberdade me vai parar no Ipiranga, fera?

Brilhou no céu da pátria nesse instante.
Reparem que Joaquim e Manuel curtiam empinar pipas e chamar os caras do Clímaco no famoso VEM BUSCAAAAAR!

Se o penhor dessa igualdade
Aqui fica claro que a troca de mercadorias por crack já era um assunto em pauta, por conta da alta da droga no mercado de sem futuros.

Conseguimos conquistar com braço forte,
SE NÃO É NO AMOR É NO TERROR!

Em teu seio, ó liberdade,
Se não tiver uma pornografia a galera nem liga, todo sertanejo sabe disso.

Desafia o nosso peito a própria morte!
Vejam que na falta de mulher, Joaquim e Manuel se viram com que podem.

Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!
Beleza, cara.

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
Possivelmente muito loucos da branquinha, estão nessa de que é tudo uma trip nacionalista muito louca.

De amor e de esperança à terra desce,
Esses assuntos de ciclos menstruais nunca foram problema para a dupla.

Se em teu formoso céu, risonho e límpido,
De novo, pipas no céu e a galera do Clímaco já preparando as mamonas para a guerra.

A imagem do Cruzeiro resplandece.
Uma bela homenagem a Savassi, como boêmios que eram.

Gigante pela própria natureza,
Gigante, sei…

És belo, és forte, impávido colosso,
Teste de macho, hinos: se o teu tem essa frase, você acha mancada o Herchcovitch sair do Twitter.

E o teu futuro espelha essa grandeza.
A cocaína não seria esquecida.

Terra adorada,
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Os caras colocam o Brasil no TOP MIL e chegam chutando cadeira e falando NÓS SOMOS É PATRIOTAS.

Ó Pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada,
Brasil!
Nota-se o cansaço da dupla, que repetiu “Pátria Amada” duas vezes. Fica claro que o Ipiranga nem é lá essas coisas, como Pirituba, por exemplo.

Colorados de todo o mundo, uni-vos

Daí que os caras do Impedimento fizeram um concurso literário para ganhar a camisa do Internacional ou do Grêmio. Pretenso colecionador que sou, escolhi a do Inter para participar. O lance era simples: bastava uma história fictícia sobre a camisa do clube que você escolhesse. O texto não passou pelo crivo da comissão julgadora, mas beleza, não se ganha tudo nessa vida. eis o texto, para tristeza de muitos.

Na beira do campo, o Karl coçava a barba com fervor. Não conseguia olhar os passes errados do Stalin, praguejava contra a mãe do matador Pol Pot e até o camisa 10 unânime, Lênin, era contestado.

– Mas que jogo de merda, Engels.

Friedrich, o Murtosa de outras eras, só olhava e cofiava o bigode.

O juiz apitou o fim do primeiro tempo. Jogando de azul, o time do Capital vencia o Comunismo por dois a zero. A mais-valia em campo estava mais inválida que o presidente Roosevelt. O Comunismo, de branco, foi para o intervalo.

– Mas que caralhas de apropriação é essa, camaradas?

– Pô professor, a zaga dos caras só tem beque barão de fazenda!

– Até tu, Lênin? Sério mesmo? Seguinte, vamos encarnar essa merda toda!

Havia dias que Marx pensava que algo estava fora de lugar. Não sabia se era o nome, se era a cor da camisa ou se era o Gorbatchev de volante. Alguma coisa ali parecia ruir a qualquer momento. Resolveu que aquela era a hora e, com tinta vermelha nas mãos, começou a manchar camisa por camisa.

– Que isso, fera?

– É o vermelho, Honecker. É a nossa cor, nosso manto. A partir de hoje jogamos de vermelho! E tem mais, acabou a bobagem de Comunismo Futebol e Cerveja. Agora somos o Internacional.

– Não é A Internacional, professor?

– Não, é O Internacional. Tem uma treta com naming rights.

O Internacional, ex-Comunismo Futebol e Cerveja e que nascera Socialismo de Futebol Científico Porto-Alegrense, voltou para o segundo tempo. A beira do Rio Guaíba, donos de fábricas e a alta burguesia esperavam com o límpido uniforme azul para sacramentar o resultado para o Capital. A bola começa a rolar e logo de cara Mao Tsé, o Zizao de outra época, manda na gaveta.

– Falei Engels, falei! Sou foda, cara!

Engels sorri, mas o bigode impede que vejamos.

O que era fausto ficou apertado. A conta não fechava para o Capital, que começou a ser pressionado pelo Internacional. A camisa vermelha parecia multiplicar-se em relação à branca. Gritos de VERMELHOU NO CURRAL A IDEOLOGIA DO FOLCLORE VERMELHOU e acordes de BRASÍLIA AMARELA escapavam da torcida em direção ao campo, impulsionando os jogadores agora encarnados. Aos 47 minutos o que parecia impossível aconteceu: penâlti para o time rubro. Yeltsin pôs a bola debaixo do braço e vaticinou:

– É tudo nosso, rapeize!

Compenetrado, correu para a bola como quem corre para salvar o mundo. O chute subiu tanto que acertou um muro em construção na avenida Goethe, derrubando tudo e agradando os populares.

Apesar da derrota, o Internacional saiu de campo orgulhoso de seu feito. Ali morria o Comunismo, Socialismo ou o que quer que tenha sido antes. Mas nascia o Internacional, cuja camisa rubra conquistaria feitos que aqueles jogadores jamais conseguiram em suas vidas. O maior deles, a conquista mundo, calhou de ser de uniforme branco. Mas todos sabem, no fundo, que se Gabiru estivesse de vermelho, lembraria Lênin nos seus melhores dias.

Devagar com o andor…

Deixando de lado toda a discussão de que uma piada, quando precisa ser explicada até por um psicólogo, não é lá das melhores, o quadro divulgado no Pânico de ontem que mostrou toda desenvoltura de Gerald Thomas para o humor e de Nicole Bahls para o jornalismo levantou uma pergunta importante.

Não estamos indo rápido demais? As coisas mal acontecem e já temos opiniões, protestos, gregos contra troianos contra persas contra fariseus contra nazistas contra o que quer que seja. Não é hora de irmos devagar com o andor, porque derrubar santo dá um azar do caralho? A divulgação das fotos começou na segunda (terça? Quarta? Quinta? Sexta?). Nelas víamos Nicole sendo atacada por um Gerald Thomas com olhar de lascívia, o que já é uma ofensa aqueles que possuem olhos, porém atacada. Nicole parecia visivelmente constrangida, claro. Talvez por ser Gerald e menos pelo ato, mas isso poucos poderão saber e estou aqui imaginando coisas.

E começamos com as acusações, com as defesas, com os ataques e com tudo mais que é inerente nas discussões desde que as redes sociais são redes sociais. Mas a pergunta que não ficou no ar e foi feita por Emilio Surita momentos antes da exibição do quadro: quem na realidade tinha visto o que eles chamam de matéria?

Ninguém tinha visto. Ninguém do Ego, ninguém do UOL, ninguém do Twitter, do Facebook e até do Orkut. Eu, você, as feministas e até o Papa Francisco não vimos e já derramávamos um monte de letras em tudo quanto é lugar de tudo quanto é forma. Estamos perdendo a cada nova polêmica a capacidade de análise, para sermos os primeiros, para sermos os mais combatentes ou ao menos para fazermos a primeira piada.

O que o Pânico mostrou foi uma grande farsa. Bolada pelos produtores, pelo Zuckerman, pelo Ceará, pela Nicole e que contou com a participação especial de Gerald Thomas. O que não elimina ele de ser babaca, claro. E que continua suscitando as discussões sobre o limite do humor e todas essas bobagens, sem dúvida. Mas o que nos leva a uma questão primordial: não é melhor esperarmos um pouco antes de darmos nossa opinião?

Porque se vamos lutar pelos direitos das mulheres, vejo Nicole Bahls realizando seu direito de ganhar dinheiro e aparecer na TV como bem entende. Ainda que seja sujeita a um ataque sexista do esquecido Gerald Thomas. É bom para a Nicole, que ganhou pontos no Ibope e vai continuar como repórter. É bom para Gerald, que divulgou seu livro e reapareceu das cinzas que nunca deveria ter saído. E para nós, o que é bom?

O PECado da empregada

Valdirene chegou na cidade com várias pessoas. Procurou um quarto aqui, um acolá e achou a casa da Dona Vânia como lar. Solícita e com uma mania de limpeza que quase chegava a um diagnóstico médico, ganhou o coração da patroa em minutos. E do Alfredo em segundos, porque tinha uma bunda que não era desse mundo.

Alfredo parava com o videogame na mesma hora. Era só a Valdirene aparecer de flanela e lustra-móveis para o moleque caçar um livro, uma revista, um tratado sobre as armas químicas no Iraque ou qualquer outra coisa que emulasse uma distração. Valdirene se contorcia para limpar atrás da TV e o moleque se contorcia para ver uma marca de calcinha, uma polpa de bunda ou qualquer coisa que o valha. Na escola, o papo não poderia ser outro.

– Cara, eu dava casa, comida e roupa lavada.
– Mas ela quem teria de fazer isso, né?
– Então eu dava FGTS, férias e décimo terceiro.
– Décimo terceiro sem tirar.
– Hahahahahahahahahahahahahaha, babaca…

Alfredo as vezes tentava, daquele jeito que moleque acha que tenta. Dava uma olhada mais fixa na Valdirene, daquelas de cantada de boteco na Vila Madalena. A doméstica sabia que o patrão estava de bituca, mas nunca que largaria o sambão pelo pirralho. Alfredo só fazia suspirar e falar baixo para si. “Ah, um dia…”.

Os anos passaram e o Alfredo virou deputado. A Valdirene tinha já saído da casa, sendo substituída pela Dona Mercedes, aquela que sem sombra de dúvidas lavou as escadas do Senado Romano depois que empacotaram César. Dona Vânia, afinal de contas, tinha um par de olhos. Destaque em Brasília, Alfredo resolveu propor melhores condições para as domésticas. Nas rádios, TVs, jornais e até nas mesas de boteco, dizia que o lance era profissionalizar, afinal de contas serviço é serviço em qualquer lugar. Mas estava na cara que era pela Valdirene. Levou o projeto para ser votado e quando, por unanimidade, conseguiu passar a PEC das Empregadas, subiu ao plenário para discursar sobre a vitória do trabalhador.

Com o bolo de papéis a frente, lembrou da polpa da bunda da Valdirene. Deu um sorriso e na hora achou por bem bater os papéis na mesa para dar uma disfarçada, como fazia há anos. Falou que era uma lei do povo, um marco na sociedade e outras papagaiadas.

Mais tarde, do outro lado da TV, Valdirene viu o Alfredinho discursando. Lembrou na hora do moleque safado que vivia a comer com os olhos suas polpas e frutas. Pensou que poderia ter sido a primeira do pirralho que hoje mudava a história do trabalho doméstico no Brasil. De maneira sincera, encarou a TV e falou bem perto do ouvido do Alfredo:

– Hoje eu dava pra você. Com casa, comida, roupa lava, FGTS, férias, décimo terceiro…

Até para fazer boa ação eu sou ruim

Daí que ontem toquei pro Mundo Verde, como diz o índio do comercial, afinal de contas a linhaça de cada dia precisa estar lá no suco de couve. Não perguntem, mas esse negócio de 105 quilos é sério e tal.

Pois bem, na porta do Mundo Verde estava um mendigo. Cada um que passava era parado pelo mesmo motivo de sempre: dinheiro para a fome, para a cachaça, para o que quer lá que seja. Lícito ou ilícito, inclusive. Estava sem nada no bolso, só com o dinheiro de plástico e como o mendigo não era Feliciano e eu não era trouxa, não dei cartão e senha.

Pedi aquela desculpa marota e dentro da loja caía em mim o peso do mundo em remorso. Porra né Julio, o que custa, o cara está com uma fome daquelas de comer rabada achando que o mundo é uma maravilha. Colabora lá, velho, faz essa boa ação e quem sabe daqui alguns anos a Lei do Retorno te dê uma Mega-Sena pelo conjunto da obra.

No mesmo instante me bateu que, vejam só, estava numa loja de produtos naturais. Imagina que você é um mendigo, que sua fome por arroz, feijão, carne, batata, proteínas e carboidratos aos montes, a ponto de serem jogados para o ar numa cornucópia fodida de sabores e foda-se ao peso sem fim, um vórtex das coisas mais belas do mundo empilhadas num prato como se fossem um Everest e você escalando a parada com uma colher – garfo e faca uma porra – o homem vencendo a natureza e voltando a sua natureza mais primitiva ou um desses papinhos filosófico-chatos que caiba por aqui. Sério mesmo que você vai dar uma barrinha de cereal para o cara que está a ponto de parar na porta de um mercado natural para pedir? Se houver um Hitler, um Stalin, um John Lennon do século 21, você será pior que esse cara, teu nome e dos teus descentes será dito nas piores rodas como a Academia Brasileira das Letras e essas merdas todas.

Depois de muito pensar, saí do Mundo Verde com um pacote de linhaça e três biscoitos integrais de chocolate. Ninguém falou um “a”, mas eu ouvi a meio palmo xingando por telepatia:

– FILHO DA PUTA!

Eu não sou cicloativista

Segundo o Endomondo, pedalei 1.521 km em menos de um ano. Se mantiver essa média, em dez anos terei dado a volta na Terra. Tudo isso na cidade de São Paulo, indo da Paulista para o Tucuruvi, de Pirituba para Pinheiros. Usando calçada, pista da direita, corredor da pista da direita, ciclovias, ciclofaixas. E nesse quase um ano tendo a bicicleta como principal meio de transporte, acompanhei no mínimo três mortes e alguns acidentes graves divulgados pela mídia na Avenida Paulista.

É foda andar de bicicleta em SP. Todo mundo têm pressa, ciclistas e motoristas. Não sei dizer qual pressa é resultado de outra, mas ela está lá. Na Rebouças, por exemplo, me sinto obrigado a ir pela calçada por receio dessa pressa paulistana. É uma subida, e a minha velocidade deve ser de 10 km/h. Imagina aquele senhor no seu BMW tendo que aguentar o gordinho aqui pedalando. Baixa um Exu Vin Diesel no homem vindo das mais profundas trevas das videolocadoras e sites de torrent. E ele dá aquela acelerada, buzinada, roncada de motor alemão que dura toda uma eternidade.

Na Paulista, exceto aos domingos quando tem ciclofaixa, a direita é a melhor pedida. Dos ciclistas e dos ônibus. Alguns são legais, te dão espaço para passar e ficam atento às suas buzinadas. Outros encarnam o Piquet e são paus-nos-cus com ou sem o volante. Nela, eu costumo passar os faróis vermelhos para pedestres, porque temos ônibus, táxis e carros com pressa.

Na Faria Lima tem ciclovia. E tem aqueles que, quando vão fazer a conversão para a outra pista, insistem que é uma boa ideia parar em cima da faixa destinada às bicicletas e ali ficar, preso num trânsito dantesco, tendo os ciclistas como companheiros.

Em Pirituba tem a Raimundo Pereira de Magalhães. A prefeitura colocou uma faixa na curva: ATENÇÃO – CICLISTAS NA PISTA. O vento, as chuvas e mais outras mazelas derrubaram a faixa. Hoje não é necessário ter atenção.

Na Sumaré tem ciclovia. Quando a avenida está vazia, desço pela faixa das motos. Sou babaca de fazer isso? Claro que sim.

O lance é que é foda viver em comunidade. Vem aquilo do seu direito terminar onde começa o do outro. Ou algo assim, nunca acerto esse clichê. Se transportar numa cidade como São Paulo sempre será difícil. E alguns podem dizer “mas em NY não é assim”. Exato, mas essa Nova Iorque dos sonhos é uma ilha, e aqui as ilhas são os homens, já que estamos falando de clichês. Sempre haverá acidentes, tanto para gregos quanto para troianos.

Mas a partir do momento alguém atropela um ciclista e foge pelo menos 10 km com o braço dessa pessoa presa ao carro, passamos de todo esse blábláblá de cicloativismo, quem está certo e quem está errado e estamos longe de um mero acidente. Porque não bastasse o sangue frio de atropelar alguém e deixar a cena em fuga, a pessoa ainda consegue ter a coragem de retirar um braço de seu caro e jogá-lo em um córrego da Ricardo Jafet. O fato do ciclista atropelado depender do braço para trabalhar aumenta mais a história, mas pouco importa. E também importa menos ainda se o cara era trabalhador, talibiker, oficial nazista foragido. É para pensarmos como caralhos alguém anda dez quilômetros com um braço de uma pessoa preso ao carro e, quando o vê, acha por bem jogá-lo em um córrego?

Esse cara não só privou um trabalhador de exercer seu ofício, um pai de sustentar uma família. Ele traz a tona os instintos mais primitivos, como diria Roberto Jefferson, para a discussão de mobilidade na cidade. Num momento em que a cidade adota a bicicleta como alternativa para o trânsito macabro de sexta-feira passada, essa estupidez, essa ignorância ocorrida na madrugada de domingo acirra uma rivalidade que nem deveria existir. Pululam frases como LUGAR DE BICICLETA NÃO É NA PAULISTA e CARRO BOM É NA GARAGEM quando a única coisa que deveríamos pensar é: em que momento erramos para que pareça uma boa ideia atropelar alguém, fugir com seu braço por quilômetros e despejá-lo num córrego da cidade?

Lá vem o Chavez

– Olha quem tá aí!
– E ae rapeize?
– Hugo! Achei que você já tava aqui faz tempo!
– Estava, mas me perdi. Essa porra é grande pacaraleo!
– Ô Leon, ó quem chegou!
– Dae Hugo, joinha na Cortina?
– Embaçado em Stalingrado, Trótsky. O bicho tá pegando lá em cima.
– Tô sabendo, o Vlado vê essas paradas no Reader. Ô Zéf, traz umas cervejas aí que o Hugo chegou!
– Tem Heineken, por causa da estrela vermelha, risos.
– Então pessoal, vou ficar só uma carinha aqui. O homem me chamou.
– Hahahahahahahahaha, já chegou chegando.
– Não, é sério.
– Por que caralhos?
– Sabe aquele lance do diabo lá na ONU? Então, me benzi e pãns, daí deus achou que eu sou da vibe dele.
– Mas você é?
– Claro que não né, aqui é comunismo tru, não pokemon!
– Pô o quê?
– Desencana. Mas enfim, vou ver qual é lá no pico. Se vir o Fidel, manda abraço.
– Ele também se perdeu no meio do caminho?
– Não, ele está discursando desde que chegou. Mas daqui a pouco ele pinta.

E entoando aves marias, Chavez foi ter com deus para explicar que história é essa de comunista bolivariano que anda se benzendo e dizendo “graças a deus”.

O candidato do churrasco

O ano era mil novecentos e Araci de Almeida. No bairro da Casa Verde, Dr. Alberto Calvo se elegia vereador ano sim, outro também. Uma espécie de Fidel Castro da democracia. Hoje o mesmo Dr. Calvo concorre para a vaga de vereador, representando o povo da Casa Verde, Freguesia, Limão e – grande ironia – Pirituba.

Voltando a Casa Verde da era de ouro, a Casa Verde de vida simples. Crianças na rua, boteco na esquina, gol no portão da metalúrgica. A diversão da molecada era simples mas, como toda e qualquer diversão, precisava de um aporte estatal para acontecer. Foi então que surgiram alguns amigos da rua Atilio Piffer com uma proposta:

– QUEM DISTRIBUIR OS PAPELZINHO DO CALVO VAI GANHAR CHURRASCO NO SEICHO-NO-IE!

Vejam amigos, carne de graça em um centro religioso. Eu faria campanha para o Pol Pot em troca dessas carnes, pois não havia bom senso ou noção do perigo. E assim fui, com outros amigos da saudosa Rua Jaboatão, entregar santinhos do Dr. Calvo que sim, é careca. Missão dada é missão cumprida e acabamos com a papelada. Acredito que alguns jogaram os seus no esgoto, mas até entre as crianças existe a galera da banda podre. Tudo pronto, fomos para a porta do Seicho-no-ie que era a hora da maminha.

Vou divagar um pouco. Neste dia, uma grande lição política nos foi dada. Mais importante que a leitura de Maquiavel, mais necessária que conhecer os escritos de Tocqueville, foi saber desde criança que todo político, ou ao menos a grande maioria, é um filho da puta de marca maior. “Nossa Julio, mas você não acredita nas instituições?”. Amigos, eu fui enganado pela galera do Seicho-no-ie que prega a paz e o escambau. Quero que as instituições sejam erguidas em uma zona de guerra, problema delas.

Volto para contar que chegamos a porta do Seicho-no-ie famintos e com a sensação de dever cumprido. Na porta, o segurança nos olhou incrédulos e perguntou ao líder da molecada:

– Pois não?
– Nós viemos para o churrasco do Doutor Calvo.
– Hahahahahaha, tá bom.
– Nós entregamos os santinhos e prometeram o churrasco.
– Circulando, molecada.

Inflados pela revolta popular que a fome traz aos sofridos, formamos uma linha e começamos a cantar em uníssono:

– Ô CALVO, VIADO, CADÊ NOSSO CHURRASCO, Ô CALVO, VIADO, CADÊ NOSSO CHURRASCO!?

Vocês devem esperar que essa história se conclua com crianças presas pelo Doi-Codi ou que ao menos levaram umas borrachadas para ficarem espertos. Mas os tempos eram outros, mais inocentes. Fomos solenemente ignorados pela campanha do vereador, que certamente saboreava uma incrível picanha enquanto, do lado de fora, crianças trabalhadoras passavam fome. Desistimos depois de meia hora para fazer coisas mais importantes como empinar pipa, tocar campainhas e sair correndo ou descer a Rua Carandaí em cima de compensados de madeira.